Perícia Médica Federal: entre desafios, carência de servidores e necessidade de reestruturação
A publicação do Relatório de Avaliação da Auditoria-Geral do INSS referente ao exercício de 2024 traz à tona questões que, para nós, peritos médicos federais, já eram sentidas na rotina diária, mas agora ganham respaldo técnico e documental. O documento evidencia um sistema pressionado pela alta demanda, marcado por filas, ferramentas insuficientes e carência de pessoal. Como professor de perícia médica previdenciária e perito em atuação, compartilho aqui minhas percepções sobre os pontos mais relevantes e o que eles sinalizam para o futuro da carreira.
- Ferramentas insuficientes para reduzir a fila:
A auditoria analisou o impacto de medidas como o Atestmed 2, o PMAN (Prorrogação de Manutenção) e o PEFPS (Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social). Embora tenham gerado avanços pontuais, o relatório conclui que não foram suficientes para reduzir o tempo médio de conclusão dos requerimentos para o patamar legal de 45 dias, especialmente em benefícios como:
- Aposentadoria da Pessoa com Deficiência;
- Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC/LOAS);
- Pensão por Morte Rural;
- Auxílio-Reclusão Rural.
Em algumas regiões, o Tempo Médio de Espera da Perícia (TMEA-PMF) superou 70 dias, expondo uma realidade preocupante aos segurados e para a imagem institucional.
- Impacto direto da carência de peritos:
O relatório evidencia uma verdade incômoda: a capacidade de resposta da Perícia Médica Federal está diretamente limitada pelo seu quadro de servidores. Após 15 anos sem concursos, acumulamos um déficit superior a 3 mil peritos. O último certame, realizado em 2024, aprovou apenas 768 candidatos, número insuficiente até mesmo para repor as aposentadorias e exonerações ocorridas nesse período. Essa defasagem compromete não apenas a análise de benefícios previdenciários e assistenciais, mas também serviços internos, como a perícia oficial para servidores do INSS, cuja interrupção foi um dos achados críticos da auditoria.
- Fragilidade na gestão e risco de judicialização:
A auditoria mostra que falta uma gestão integrada entre INSS e Departamento de Perícia Médica Federal (DPMF).
O INSS é formalmente responsável pelo atendimento ao cidadão, mas não possui controle efetivo sobre a capacidade do DPMF, o que resulta em:
- Filas invisíveis e demora na marcação de perícias;
- Prejuízos financeiros ao erário por atrasos e correção monetária;
- Maior risco de judicialização.
Para nós, que estamos na ponta, isso reforça a percepção de que a reestruturação da carreira e do sistema de gestão é urgente.
- A necessidade de investimento e valorização:
O relatório deixa claro: sem investimento em pessoal, tecnologia e gestão compartilhada, os gargalos permanecerão.
É preciso:
- Novo concurso público em curto prazo, para recompor o quadro e evitar colapso;
- Revisão dos fluxos e normativos, especialmente no Atestmed e PMAN, para evitar concessões indevidas e insegurança jurídica;
- Transparência e integração entre INSS e DPMF, para que a fila seja visível e administrável.
A sociedade precisa compreender que cada dia de atraso na perícia é um dia sem benefício para quem realmente precisa, e cada falha no processo representa risco financeiro para o Estado.
Conclusão
Como perito e professor, vejo nesse relatório um chamado à ação. Ele confirma, com dados oficiais, o que vivemos na prática: a Perícia Médica Federal é essencial para a proteção social, mas precisa de reforço estrutural e humano. Se quisermos cumprir nossa missão de garantir direitos com justiça e eficiência, será necessário investimento, planejamento e valorização da carreira.
Referência:
INSS. Relatório de Avaliação – Rotinas Administrativas referentes aos Requerimentos relacionados às Atividades de Perícia Médica (Exercício 2024). Auditoria-Geral do INSS, dezembro de 2024.
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Artigo escrito pelo Professor João Nicolle Tupiná
Médico especialista em Perícia e Auditoria Médica, professor e membro da Câmara Técnica de Perícia Médica do Cremepe (Conselho Regional de Medicina – PE). Atualmente, acumula licitamente os cargos de Perito Médico Federal no Ministério da Previdência Social e de Médico Anestesiologista pelo Exército Brasileiro.