OPINIÃO: Necessário restabelecimento da paridade remuneratória diante da nova configuração das gratificações para PMF
O restabelecimento da paridade remuneratória não é apenas uma discussão jurídica — é uma necessidade urgente e legítima para os Peritos Médicos Federais que dedicaram décadas de serviço ao país.
Neste artigo, elaborado pelo Dr. Paulo Liporaci, chefe do Departamento Jurídico da Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP), e publicado no portal Consultor Jurídico, você entenderá como a configuração atual das gratificações de desempenho gera uma distorção que atinge diretamente aposentados e pensionistas com direito à paridade.
À luz das legislações recentes, das decisões do STF e do contexto da administração pública, o texto defende, com rigor técnico e jurídico, a tese de que a paridade deve ser plenamente restabelecida — não como privilégio, mas como direito constitucional.
Leia na íntegra:
A forma como a administração pública federal passou a remunerar seus servidores mudou bastante entre as décadas de 1990 e de 2000. No lugar de salários fixos e previsíveis, surgiram as chamadas gratificações de desempenho, que, em tese, deveriam premiar aqueles que entregam maior produtividade.
A ideia parecia virtuosa: valorizar o mérito e estimular a eficiência. Mas, na prática, essa sistemática foi desenvolvida para consolidar um abismo entre os vencimentos de quem está na ativa e os proventos de quem já se aposentou — especialmente entre os que fazem jus à chamada paridade remuneratória, ou seja, à equiparação com os servidores da ativa.
Durante anos, aposentados e pensionistas receberam valores muito inferiores aos dos colegas em atividade, ainda que a gratificação fosse paga a esses últimos de forma generalizada, sem avaliação real de seu desempenho. Foi o caso da Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS) e da Gratificação de Desempenho de Atividade de Perícia Médica Previdenciária (GDAPMP), verbas devidas aos servidores do INSS e aos peritos médicos federais, respectivamente.
A criação dessas parcelas se deu a partir do discurso de premiar o bom desempenho, mas, por longos períodos, o que se observou foi o seu pagamento de forma igual para todos os ativos — mesmo para os que estavam afastados ou cedidos a outros órgãos. Os inativos, no entanto, ficaram de fora dessa lógica.
Foi só em 2016 e 2017 que houve a sinalização de mudança desse cenário, com a publicação das Leis n. 13.324 e 13.464, respectivamente. Essas normas estabeleceram que os servidores em atividade passariam a receber, no mínimo, 70 pontos a título de gratificação — sem depender de avaliação alguma. Isso conferiu à GDASS e à GDAPMP uma característica nova: passaram a ser genéricas, automáticas e lineares, ao menos até esse limite mínimo (70 pontos).
E aqui está o questionamento central: se a lei passou a garantir, de forma obrigatória, o pagamento de pelo menos 70 pontos a todos os servidores em atividade, sem exigência alguma de desempenho, por que manter aposentados e pensionistas com valores congelados em 50 pontos?
Injustiça histórica
Esse tratamento desigual fere diretamente o princípio constitucional da paridade. Não se trata de discutir mérito ou produtividade: trata-se de aplicar a previsão expressa da Constituição.
O próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema nº 983 da Repercussão Geral, afirmou que, enquanto não houver avaliação de desempenho válida, as gratificações ostentam natureza genérica e devem ser pagas igualmente a ativos e inativos.
E mesmo depois disso, posicionamentos jurisprudenciais recentes mostram que o debate continua em aberto. No âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.408.525 (Tema n.º 1.289), por exemplo, houve o reconhecimento de que a discussão sobre o pagamento paritário da GDASS retomou sua relevância constitucional após a edição da Lei nº 13.324, justamente por causa da fixação do novo patamar mínimo de 70 pontos. A Turma Nacional de Uniformização (TNU) também já se posicionou nesse sentido no julgamento do Tema n. 294.
No caso da GDAPMP, o cenário é idêntico. A Lei nº 13.464/2017 também garantiu os mesmos 70 pontos mínimos para todos os ativos, sem vinculação com desempenho. E, de igual modo, os inativos continuaram recebendo menos.
Esse modelo é inconstitucional e perpetua uma injustiça histórica. Por muito tempo, os servidores que se aposentaram sob a égide da garantia constitucional da paridade observaram a sua equiparação remuneratória ser anulada por gratificações que, na prática, não estavam baseadas em produtividade, mas sim em mecanismos de contenção de gastos com inativos. Hoje, quando a própria lei reconhece que há um mínimo garantido para todos os ativos, negar isso aos inativos é manter uma discriminação injustificável.
É preciso entender que a luta por paridade não é um pedido de privilégio. É um direito estatuído explicitamente na Constituição. E é também uma forma de valorizar aqueles que dedicaram décadas de vida ao serviço público. Quando a gratificação é paga de forma automática, universal e indistinta aos ativos, o correto — e o justo — é estendê-la aos inativos nos mesmos moldes.
Por isso, um número cada vez maior de tribunais tem reconhecido esse direito. A jurisprudência pacífica dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 1ª e da 4ª Região, além própria TNU, aponta para um mesmo caminho: se há um patamar mínimo e inflexível da gratificação para os ativos, ela deve ser paga de forma igualitária para quem faz jus à paridade.
Esse entendimento também aniquila a ideia de que a pretensão violaria o Enunciado nº 37 da Súmula Vinculante do STF, que proíbe o Judiciário de conceder aumento com base em isonomia. Na hipótese sob análise, o pedido não é por aumento, mas pela aplicação do próprio regime jurídico da paridade. É uma questão de mera coerência legal e constitucional.
Em resumo, a incorporação da GDASS e da GDAPMP no patamar mínimo de 70 pontos para aposentados e pensionistas com direito à paridade não é apenas uma exigência legal — é uma questão de garantia da justiça e da força normativa dos dispositivos constitucionais. É hora de corrigir um erro histórico e reconhecer aos inativos o que já é assegurado aos servidores ativos: o respeito ao seu trabalho, ao seu tempo de serviço e aos direitos que a Carta Magna lhes outorga.
Nesse contexto, ganha especial relevância o julgamento do já citado Tema nº 1.289 da Repercussão Geral, atualmente em trâmite no STF. Em breve, a Suprema Corte terá a oportunidade de enfrentar, com a profundidade devida, a nova moldura legal das gratificações de desempenho — notadamente a GDASS — após a edição da Lei nº 13.324/2016. Trata-se de um caso paradigmático para todos os servidores que se aposentaram sob o regime da paridade e que, até hoje, seguem penalizados por interpretações incompatíveis com a realidade normativa vigente.
Diferentemente do que se decidiu no Tema nº 983, a controvérsia atual repousa sobre um novo modelo legislativo que rompe com a lógica anterior da gratificação vinculada ao desempenho. Ao prever legalmente o pagamento mínimo e linear de 70 pontos a todos os servidores ativos, a nova redação confere à GDASS feição genérica e incondicionada — razão pela qual deve ser estendida aos inativos com direito à paridade, tal como exige a Constituição.
O STF tem, assim, a chance de afirmar, de forma inequívoca, que paridade não é concessão — é garantia constitucional. Julgar o Tema nº 1.289 de forma favorável aos inativos é reconhecer que a Constituição continua a valer também para quem já dedicou uma vida inteira ao serviço público. É reconhecer que o tempo não suprime direitos.